A palavra proferida em voz e a palavra escrita, acompanhadas de atitudes concretas, marcaram a trajetória de Henry Sobel. O rabino que se vai deixa uma marca profunda na comunidade judaica pela qual era o responsável natural pelo cargo que exercia, mas também na sociedade paulistana e brasileira.
A partir do episódio fundamental da recusa em enterrar Wladimir Herzog como um suicida e assim confrontar a ditadura que assassinava, Sobel surge como um personagem da vida religiosa, política, social e cultural brasileira. Uma voz respeitada por todos os credos.
"Ele [Herzog] ficou, estudou, formou-se e se integrou perfeitamente aqui, onde se dedicava à filosofia, artes, jornalismo e televisão. Para Vladimir, ser judeu significava ser brasileiro." Continuando sua defesa dos direitos humanos, disse: "Viva o homem em que país viver, no Brasil, ou qualquer outra parte do mundo, deve ser respeitado como ser humano. Os rabinos sabem que sua missão não reside apenas dentro dos templos, mas tambem no contexto social e politico, para defender esses direitos."
O Estado de S.Paulo - 01/11/1975. Clique aqui para ver página ampliada Foto: Acervo/Estadão
Em outros momentos críticos da história, como após o assassinato de Yitzhak Rabin em 1995, mostrava-se habilidoso na expressão de palavras de conforto que pregavam o perdão entre os homens. Sobre o bem e o mérito contidos no ato de perdoar, falava da própria condição humaninade, daquele que busca, daquele que concede e daquele que se perdoa.
"Você acredita, honestamente, que a sua vida e a vida dos seus futuros filhos seria melhor se a terra não fosse devolvida e o derrmamento de sangue continuasse eternamente extinguindo vidas judaicas e palestinas? Pense bem, faz sentido atribuir mais santidade à terra do que à vida humana? (...) Você desfechou um golpe duro contra a humanidade. Yitzhak Rabin fará muita falta. Mas, apesar de você (como diria Chico Buarque), amanhã há de ser outro dia. A vida continua."
Texto de Henry Sobel sobre morte de Yitzhak Rabin em 1995. Foto: Acervo Estadão
Após anos se destacando por levar a fé, a esperança e o consolo aos seus e aos outros, a partir do episódio do furto de gravatas, em 2007, o rabino passaria a ter que usar as palavras de ajuda aos próximos para tentar apaziguar-se consigo mesmo. Em 2013, numa entrevista exclusiva ao Estadão, Sobel abriu-se de forma surpreendente à repórter Laura Greenhalgh:
O esvaziamento de representatividade tem a ver com o caso das gravatas?
Por favor, coloque no papel o que trago no meu coração, porque vou falar de algo pela primeira vez. Antes não havia tido coragem nem vontade. Aquele foi um episódio desgastante, cheguei a pedir desculpas diante de câmeras das principais emissoras de TV do Brasil. Também tratei do assunto em livro autobiográfico. Falei em problema de saúde e no uso de um medicamento para dormir, o Rohypnol. O remédio teria me levado a cometer atos impensados. Ontem à noite, às vésperas desta entrevista e com o distanciamento que o tempo proporciona, decidi que não posso mais atribuir o que houve a fatores externos. Para ser e me sentir honesto, admito que cometi um erro.
Está dizendo que o furto não pode ser atribuído ao efeito de remédios, mas a uma falha sua?
Uma falha moral minha. E peço perdão. Veja o que escrevi ontem à noite: "É bom ser perdoado. Quando eu era menino, sempre que cometia um erro, podia contar com a compreensão, a ternura e o perdão dos meus pais. Lembro da sensação de ter um peso tirado do coração, uma gostosa certeza de ser aceito. (...) Quando cresci, foi a minha vez de conceder perdão aos meus pais pelos seus erros e fraquezas, fossem reais ou fruto da minha imaginação. Compreender nossos pais, e perdoá-los por serem menos perfeitos do que gostaríamos, é natural no processo de amadurecimento. Lembro das críticas se abrandando, os ressentimentos se dissolvendo, a consciência do afeto libertando a alma. É bom perdoar". E é muito bom perdoar a si próprio.
Como conseguiu chegar a essa aceitação dos fatos?
Eu era muito intolerante comigo quando me tornei rabino. O autojulgamento sempre foi severo e o sentimento de culpa, duradouro. Finalmente consegui me conscientizar de que o rabino é humano, portanto, falível. O incidente das gravatas é do conhecimento público, não preciso entrar em detalhes aqui... Tento me perdoar, o que não é fácil, porque perdoar não é esquecer. Se fosse, não haveria mérito no perdão.
Entrevista exclusiva de Henry Sobel no Estadão de 8/8/2013. Clique aqui para ler. Foto: Acervo/Estadão
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Henry Sobel (1944-2019)
1 | 30O rabino Henry Sobel sopra o shofar, 1989. O instrumento de sopro criado com o chifre de um animal é um ícone sagrado da religião judaica usado ao final do Yom Kipur.Foto: Ormuzd Alves /Estadão
2 | 30 Henri Sobel, São Paulo, SP. 30/10/1975. O rabino norte-americano radicado no Brasil foi presidente do Rabinato da Congregação Israelita Paulista (CIP).Foto: Oswaldo Jurno/ Estadão
3 | 30O rabino Henry Sobel, São Paulo, SP, 10/9/1988.Foto: Mônica Varella/ Estadão
4 | 30Dom Paulo Evaristo Arns e o rabino Henry Sobel realizam missa de Vladimir Herzog na Catedral da Sé, São Paulo, SP, 31/10/1975. Foto: Acervo/Estadão
5 | 30O rabino henry sobel fala durante a missa de Vladimir Herzog na Catedral da Sé, em São Paulo, SP, 31/10/1975.Foto: Acervo/Estadão
6 | 30Henry Sobel, São paulo, SP. 17/6/1980.Foto: Gevaerd/ Estadão
7 | 30Henry Sobel participa de homenagem aos mortos pelas bombas atômicas lançadas sobre o Japão, São Paulo, 6/8/1991. Foto: Norma Albano/ Estadão
8 | 30 O Rabino Henri Sobel discursa durante show pedindo a libertação de Nelson Mandela, Praça da Sé, região central da cidade,SP. 21/10/1988. Foto: Luiz Antônio/ Estadão
9 | 30O papa João Paulo II cumprimenta o rabino Henry Sobel durante encontro no Palácio do Planalto, DF, Brasília, em 12/10/1991. Foto: Wilson Pedrosa/ Estadão
10 | 30O papa João Paulo II se encontra com o rabino Henry Sobel e a comunidade judaica, São Paulo, SP. 12/10/1991. Sobel pediu ajuda ao papa para tentar resolver os problemas de Israel. Foto: Wilson Pedrosa/ Estadão
11 | 30Encontro entre Dom Paulo Evaristo Arns e Henry Sobel, São Paulo, SP, 31/12/1993.Foto: Nelson Almeida/ Estadão
12 | 30Dom Paulo Evaristo Arns e o rabino Henry Sobel, São Paulo, SP, 31/12/1993.Foto: Nelson Almeida/ Estadão
13 | 30O rabino da comunidade judaica de São Paulo, Henry Sobel, pastor Rolf Schunemann, da Igreja Evangélica da Confissão Luterana no Brasil e o dirigente islâmico, xeique Armando Hussein Saleh, da Mesquita do Brasil,aguardam o aviao presidencial para acompanhar o presidente Lula em viagem a Roma para o enterro do Papa João Paulo II, DF, Brasília, 07/4/2005. Foto: Ed Ferreira/ Estadão
14 | 30O líder espiritual tibetanoDalai Lama Tenzin Gyatso participa de ato ecumênico na Praça da Sé, no centro de São Paulo, do qual participaram também Dom Cláudio Hummes e Henry Sobel, São Paulo, SP. 29/4/2006. Foto: Evelson de Freitas/ Estadão
15 | 30O papa Benedict XVI se encontra com o sheik Armando Hussein Saleh e com o rabino Henry Sobel, durante encontro de líderes religiosos no Mosteiro Sã Bento, São Paulo, SP, 10/5/2007. Foto: Michelino Roberto/ REUTERS
16 | 30Dom Cláudio Hummes cumprimenta o rabino Henry Sobel após celebrar missa na Catedral da Sé, São Paulo, SP, 26/11/2006. Foto: Antônio Milena/ Estadão
17 | 30Rabino Henry Sobel fala na sessão de abertura da 9º Conferência de Diálogos Intereligiosos em Doha, 24/10/ 2011.Foto: Fadi Al-Assaad/ REUTERS
18 | 30Henry Sobel abraça Pelé no lancamento do filme Pelé Eterno (2004), no Palácio do Governo do Estado de São Paulo, SP. 20/06/2004.Foto: J.F. Diório/ Estadão
19 | 30O rabino Henry Sobel comparece à entrega do premio professor Emérito ao professor Antonio Candido, São Paulo, SP. 17/10/2003.Foto: Alex silva/ Estadão
20 | 30O governador de São Paulo, Mário Covas (PSDB) se reúne com o rabino Henry Sobel, São Paulo, SP, 22/9/1998.Foto: Paulo Liebert/ Estadão
21 | 30O rabino Henry Sobel recebe a candidata à Prefeitura de São Paulo, Luiz Erundina (PT) na Congregação Israelita Paulista (ICP), na Rua Antonio Carlos, região da Avenida Paulista, São Paulo, SP, 18/4/1996. Foto: Masao Goto Filho/ Estadão
22 | 30O ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso e o rabino Henry Sobel durante encontro com empresários, São Paulo, SP, 19/5/2003. Foto: Sérgio Castro/ Estadão
23 | 30O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva é recebido pelo rabino Henry Sobel na sede da Congregação Israelita Paulista, São Paulo, SP, 27/01/2006. Foto: Vidal Cavalcante/Estadão
24 | 30O candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PSDB, José Serra, ao lado do rabino Henry Sobel, durante visita ao ambulatório comunitário do Hospital Albert Einstein, na favela Paraisópolis, no bairro do Morumbi, zona sul da capital, São Paulo, SP. 23/7/2004. Foto: Nilton Fukuda/ Estadão
25 | 30O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o rabino Henry Sobel participam de coquetel da Fundação Mário Covas, São Paulo, SP. 21/4/2004. Foto: J. F. Diório/ Estadão
26 | 30O candidato á Prefeitura de São Paulo, Paulo Maluf (PP), visita o rabino Henry Sobel, na Congregação Israelita Paulista, em São Paulo, SP. 28/7/2004.Foto: Hélvio Romero/ Estadão
27 | 30Rabino Henry Sobel durante celebração inter-religiosa pela paz, Parque do Ibirapuera, São Paulo, SP, 23/9/2001.Foto: Monica Zaratini/ Estadão
28 | 30O rabino Henry Sobel com sua cadelinha , Mia e seu gato, Sami, São Paulo, SP, 14/02/2003.Foto: Evelson de Freitas
29 | 30O rabino Henry Sobel beija o rosto de Dom Paulo Evaristo Arns, durante ato religioso que lembrou o Dia Mundial de Luta contra a AIDS, realizado no Instituto de Infectologia Emílio Ribas, na zona oeste da cidade, São Paulo, SP. 29/11/1996.Foto: Heitor Hui/Estadão
30 | 30Texto de Henry Sobel sobre morte de Yitzhak Rabin em 1995.Foto: Acervo Estadão