7 de Setembro: ditadura usou data para exaltar militarismo; na democracia, vaias e protestos

Liz Batista - Acervo Estadão

06/09/2021 | 10h04   

Auge das comemorações aconteceu nos 150 anos da Independência; com redemocratização, governos tentaram se blindar de manifestações

Repleto de significados históricos, o Sete de Setembro, dia da Independência do Brasil, foi utilizado por diferentes governos como uma data para exaltar a unidade nacional e emplacar visões particularmente favoráveis aqueles que ocupam o Poder.

Foi assim no centenário da data, em 1922, quando o presidente Epitácio Pessoa promoveu a Exposição Internacional do Centenário da Independência no Rio de Janeiro que deveria servir como uma vitrine do progresso brasileiro para o mundo. A partir de 1964, com a ditadura militar, o Sete de Setembro adquiriu inegáveis ares de ato político e de exaltação ao militarismo.

As celebrações se estendiam além do dia da Independência, na chamada Semana da Pátria, e não se davam apenas na capital, aconteciam também nas cidades País a fora. Nas grandes capitais eram eventos de grandeza que chegavam a reunir centenas de milhares de pessoas, era um programa de lazer popular no feriado. Arquibancadas eram erguidas em importantes avenidas para que o público pudesse acompanhar as paradas militares com desfiles de tropas e de blindados, muitas vezes encerrados com exibições da Forças Aérea Brasileira. 

 

A festa do Sesquicentenário. O ápice das celebrações aconteceu em 1972, no aniversário de 150 anos da Independência, no maior evento promovido em torno da data até hoje. O governo Médici conseguiu negociar com o governo militar português que os restos mortais de D. Pedro I fossem transladados para o Brasil. Antes de serem abrigados na cripta do Monumento à Independência, local onde o príncipe regente proclamou a Independência em São Paulo, os despojos passaram em peregrinação por todas as capitais num programa de comemorações que tomaram o País.

> Estadão - 7/9/1972 8/9/1972

Com a redemocratização, a tradição do desfile que reúne o Chefe de Estado e a população seguiu, agora com um tom que celebrava a harmonia entre os Poderes sob a égide de um governo democrático. Atos civis e manifestações de crítica aos governantes também passaram a ser realizados na data e políticos viram-se precisando montar estratégias para escapar das vaias nessas ocasiões.

O retorno de D. Pedro I e o ufanismo do governo Médici. “Brasileiros, não posso esconder minha emoção. Fala por si mesmo este fato que nenhuma eloquência poderia superar: no ano em que celebramos o sesquicentenário da nossa Independência, regressará ao Brasil o corpo daquele que, em sete de setembro, às margens do Ipiranga, com a bravura, o arroubo e a paixão que eram a marca de sua personalidade, proclamou livres estas terras.” Com essas palavras o presidente Emílio Garrastazu Médici anunciou em cadeia nacional de rádio e televisão o ponto alto das celebrações dos 1950 da Independência do Brasil, comemorados em 7 de setembro de 1972, a vinda dos restos mortais de D. Pedro I para o Brasil. 

> Estadão - 13/8/197119/3/1972 e 23/4/1972  

 

Figura central da proclamação, o príncipe que se tornou o primeiro imperador do Brasil, divide com José Bonifácio de Andrada e Silva, o topo do panteão dos heróis da Independência. No imaginário nacional, enquanto Bonifácio - o Patriarca da Independência - é tido como o articulador político da ruptura com Portugal, a figura de D. Pedro I era promovida  pela política cultural da ditadura militar como a de um corajoso homem das armas, que por amor à Pátria proclamou sua soberania. 

No discurso de Médici, publicado na íntegra na edição do Estadão de 13 de agosto de 1971, a exaltação dos laços  históricos que uniam Brasil e Portugal deram a tônica da fala, que mostrava como um feito diplomático do seu governo a cessão dos despojos de Pedro I por Portugal.

> Estadão - 2/9/1972  

A série de programas comemorativos entre os dois países serviram a ambas as ditaduras, que por meio de eventos abertos, que reuniam Chefes de Estado e um público de milhares de pessoas, buscavam mostrar a pretensa unidade nacional e popularidade de seus governos e promover a ideia de harmonia e normalidade institucional, algo à margem da realidade dos regimes autoritários em vigência nos dois países.  

A agenda de celebrações do Sesquicentenário da Independência do Brasil seguiu um cronograma carregado de simbologias para exaltar o nacionalismo. Eventos cívicos foram promovidos por todo o País. No cinema, a estreia do longa 

Independência ou Morte, de Carlos Coimbra, em 2 de setembro de 1972, ajudou a promover a imagem do grande herói da Independência. Coube ao galã máximo das telenovelas, Tarcísio Meira, dar vida a D.Pedro I nas telas. O filme, segundo Médici, marcava uma nova era do cinema brasileiro.  

Os eventos que marcaram a vinda dos despojos ao Brasil seguiram um itinerário focado nas grandes datas históricas. Após percorreram a mesma rota marítima de 4.500 milhas percorridas por Pedro Álvares Cabral em 1500, os despojos de Pedro I chegaram à Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, em 22 de abril de 1972.

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A urna que os armazenava foi desembarcada no ancoradouro do Morro da Viúva e conduzida em cortejo num carro de combate do Exército até o Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial. No aterro do Flamengo, foi entregue ao general Médici pelo presidente de Portugal, o almirante Américo Thomaz, em uma cerimônia acompanhada por cerca de 10 mil pessoas e televisionada a cores para todo o País.

Depois de três dias expostos à visitação na sua antiga residência na Quinta da Boa Vista, os despojos deixaram o Rio e seguiram em peregrinação por todas as capitais brasileiras. Até que em 7 de setembro de 1972, vindo de Pindamonhangaba e seguindo o mesmo caminho feito por D. Pedro I quando proclamou a Independência, seu esquife chegou à sua última morada, a Capela Imperial no Monumento à Independência

 

> Estadão - 8/9/1972

Ainda durante a ditadura militar, mas num contexto político diferente dos anos de chumbo do regime no início década de 1970, as celebrações da Semana da Pátria em 1981, promovida pelo governo Figueiredo, foram marcadas pela alta adesão do público. Na época, pós aprovação da Lei de Anistia (1979), o governo caminhava para a abertura democrática do País. Em Brasília cerca de 30 mil pessoas assistiram ao desfile militar em frente ao Planalto.

Em Salvador na Bahia os festejos foram rápidos, com público reduzido e marcados pelo forte policiamento para conter  possíveis demonstrações de insatisfação com o Governo do Estado. Em São Paulo, a reconstituição teatral da proclamação da Independência reuniu centenas de milhares de espectadores no Parque da Independência. 

> Estadão - 8/9/1981  

Epitácio Pessoa e a Exposição Internacional de 1922. As atenções do mundo se voltaram para o Rio de Janeiro em 7 de setembro de 1922, com a inauguração da Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil. Expressões culturais de sua época, as Exposições Universais, ou Feiras Mundiais serviam para fomentar a integração, o intercâmbio cultural, as relações comerciais entre as nações e apresentar os avanços tecnológicos do período; além de ajudar a promover a imagem internacional dos países que as sediavam.

Com esse ideia em mente o governo do presidente Epitácio Pessoa não poupou esforços para realização no Rio a primeira Exposição Universal do pós-guerra, casando a data da sua inauguração com as comemorações dos 100 anos de Independência do Brasil, o governo conseguiu transformar um evento de caracter nacional num acontecimento internacional.

Enquanto os festejos do centenário se espalharam pelo Brasil, no Rio de Janeiro uma enorme parada militar abriu o dia que teve à tarde a abertura da  Exposição Universal, o grande e aguardado evento do ano. Situada ao final da Avenida Rio Branco, com um pórtico monumental na sua entrada, a feira  ocupou mais de 2 mil metros de área e contou com pavilhões de mais de seis mil expositores e  a participação de 14 países, entre eles, Estados Unidos, França, Itália, Portugal, Inglaterra, Bélgica, Japão e Argentina.

> Estadão - 7/9/1922 e 8/9/1922

A primeira transmissão de rádio no País, um marco da nova era das comunicações,  também foi realizada naquele Sete de Setembro. Pelas ondas do rádio, os brasileiros puderam ouvir  o discurso ufanista de Epitácio Pessoa transmitido simultaneamente à abertura da exposição e, em seguida, a sinfonia O Guarani (1870), de Carlos Gomes, transmitida diretamente do Teatro Municipal do Rio. As exaltações patrióticas que dominaram os festejos do centenário não foram suficientes para abafar as tensões sociais e políticas do período.

A rebelião militar de 5 de julho de 1922- conhecida como  Revolta dos 18 do Forte - contra a posse de Arthur Bernardes, eleito presidente em março daquele ano, marcaria o início dos levantes tenentistas que desgastaram a República Velha até sua derrubada com a Revolução de 1930

Parada militar, vaias e protestos. A tradição dos desfiles militares no Dia da Independência do Brasil foram mantidas pelos governos após a retomada da democracia. Seguindo o protocolo dos desfiles militares e do discurso do presidente da República enaltecendo os valores históricos da data, o segue apresentando a oportunidade de reunir povo e Chefe de Estado. Com as liberdades cívicas e institucionais restabelecidas, a data também passou a oferecer a oportunidade para manifestações críticas aos governantes ocuparem as ruas. Desde então presidentes, governadores, prefeitos e outras autoridades de Estado tornaram-se alvo de vaias nos eventos. Para criar um clima favorável, governantes tentam engrossar as fileiras do público convocando apoiadores para os desfiles. 

> Estadão - 8/9/1992

Grito dos Excluídos. Entre as mobilizações civis que pontuaram o Sete de Setembro ao longo dos últimos anos, o movimento conhecido como Grito dos Excluídos foi o que mais se destacou. Originário da Pastoral Social da Igreja Católica e crítico ao modelo econômico  e à exclusão social, ele mostrou sua força de mobilização do meio da década de 1990 aos anos 2000. Em 2001, as marchas reuniram 200 mil pessoas em diferentes cidades do País. 

> Na democracia, 7 de setembro é dia de contestação

Uma marcha contra corrupção comprometeu as festividades programadas pelo governo de  Dilma Rousseff para o dia da Independência em 2011. A manifestação, convocada pela internet, reuniu cerca de 25 mil pessoas na Esplanada e acabou rivalizando com o desfile em celebração o Dia da Pátria que também aconteceu no local. No ano seguinte, tapumes foram instalados por toda  a extensão da Esplanada, para impedir que a situação se repetisse. 

> Estadão - 8/9/2001

> Estadão - 8/9/2011

 

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