Caminhando e cantando com Bolsonaro

Liz Batista - Estadão Acervo

29/09/2018 | 07h17   

Mulheres de militares protestaram batendo panelas e seguindo o deputado estreante em 1992

Vem, vamos embora / Que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora / Não espera acontecer.

Cantando o refrão da clássica música de protesto de Geraldo Vandré e seguindo o ex-capitão e estreante deputado federal Jair Bolsonaro, uma manifestação composta majoritariamente por mulheres tomou a Esplanada dos Ministérios numa ensolarada segunda-feira de abril de 1992. Usando peças de fardas dos maridos e batendo panelas, mil e duzentas pesssoas, esposas e filhos de militares, marcharam até o Ministério do Exército e o Estado-Maior das Forças Armadas para protestar contra os baixos salários dos militares

Ao contrário do restante da letra imortalizada por Vandré, nada de flores para vencer canhão. Denominada “Marcha pela Dignidade da Família Militar”, a manifestação das mulheres  foi marcada pelo tom agressivo, como contou a reportagem de João Domingos e Antônio Marcello, citando uma autoridade da área de segurança. “Se a CUT ou a Força Sindical tivessem organizado a manifestação, a passeata não teria sido tão agressiva, tanto nas palavras de ordem , quanto nos cartazes ou nas falas dos oradores (...) as faixas exibiam palavras de ordem que não escondiam o tom de ameaça: 'Disciplina nos quartéis com barriga vazia não dá'; 'PM com fome não dá segurança'; 'Barriga vazia não segura fuzil'”, contavam.

À frente dos manifestantes, Bolsonaro, na época filiado ao PDC, Partido Democrata Cristão, usou um microfone para gritar palavras de ordem e chamar o presidente Fernando Collor de “corrupto e imoral”, o ministro do Exército Carlos Tinoco de “banana”, os ministros da Aeronáutica, Sócrates Monteiro e da Marinha, Mário César Flores de “incompetentes” , e o chefe do Estado Maior das Forças Armadas, general Luiz Antônio da Rocha Veneu, de “omisso”. Apesar da tensão e do forte aparato da Polícia Militar, presente com Tropa de Choque e um efetivo de 350 homens e 100 mulheres, não houve incindentes. 

O texto também narrou o que chamou de "situações insólitas", como a mulher de um militar segurando um cartaz com os dizeres 'Bolsonaro é o nosso líder" e esposas dos oficiais cantando a música Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores, o hino apresentado por Vandré no Festival Internacional da Canção de 1968  que incomodou os militares e resultou no exílio do compositor.

Além da pauta sobre os salários, a mobilização também encampava apoio à proposta de Bolsonaro de facilitar a compra dos imóveis funcionais ocupados pelos militares. O deputado passou meses visitando vilas militares e palestrando em clubes da corporação para organizar a manifestação. E, como os militares da ativa são impedidos pelo Regulamento Disciplinar do Exército de se manifestarem publicamente a respeito de assuntos de natureza político-partidária, representantes de suas famílias levaram o movimento às ruas.

Às vésperas da marcha, o repórter João Domingos entrevistou Bolsonaro e perguntou: “Direita, esquerda, governo, militares e outros acham que o senhor é um incendiário. O senhor quer pôr fogo no País?" Bolsonaro respondeu que o movimento não era conspirador. "Se fosse, não estaria na tribuna do Congresso. Não procurei nem tenho procurado militares da ativa para conversar. Nem dentro nem fora dos quartéis. Tenho procurado esposas de militares, que são cidadãs e não tem nada a ver com a farda do marido." Segundo Bolsonaro, na resposta seguinte, os ataque a ele eram motivados por 'ciumeira' de alguns parlamentares: "Minha luta pelo servidor militar trouxe até a mim o servidor civil."

No final da manifestação, depois de uma prolongada vaia ao ministro Tinoco, todos cantaram o Hino Nacional e, para encerrar, ovacionaram Bolsonaro por mais de um minuto.

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