Foi no 'Suplemento Literário' do Estadão que Chico Buarque estreou como escritor, em 1966. O cantor e compositor, que completa 70 anos, tinha 22 quando publicou o conto 'Ulisses'. Seu conto dividiu a página do caderno com dois titãs da escrita nacional, o crítico Otto Maria Carpeaux e o poeta Augusto de Campos (clique na imagem abaixo para vê-la inteira). Criado em 1956, o Suplemento Literário era referência no campo da cultura, reunindo grandes autores e intelectuais da época. Seu pai, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, colaborou com freqüência nos primeiros anos do caderno.

No conto, baseado na epopeia de Homero, Chico Buarque tira todo o heroismo do heroi grego, e transforma Ulisses em personagem do cotidiano, um caixeiro viajante. Ao chegar em casa "de galochas, barba por fazer, embrulho fofo, paletó triste", encontra Penélope, sua esposa, apática e inerte tricotando. Parece que ela, "espera outra pessoa", constata o Ulisses de Chico Buarque.

O Estado de S. Paulo - 30/7/1966

No relato de Homero, Penélope representa a nostalgia do retorno. Durante a longa ausência de Ulisses, por causa da guerra troiana, os príncipes de Itaca e das ilhas vizinhas querem lhe convencer a escolher um marido entre eles. Ela promete que se casará depois de ter costurado as vestes fúnebres para seu irmão Laerte. Mas, para prolongar sua promessa, desfazia durante a noite o que fora feito durante o dia. Penélope, modelo de esposa na obra original de Homero, se torna a idealizadora nas mãos de Chico Buarque. Mesmo com a sedução, a Penélope de Chico não sai do mundo em que se fechou: "Creia Penélope, o Ulisses que você inventou não lhe serve. Ele sabe matar monstros, varar tempesdades, enganar os deuses... Mas eu sei uns truques de agradar Penélope. Sei os segredos do bem-querer."

O Estado de S. Paulo - 25/5/1973

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