Dia do grafite, uma homenagem a Alex Vallauri
Cristal da Rocha
27/03/2017 | 17h36   
Artista morreu há 30 anos, mas a influência de sua obra continua nos muros da cidade
Os muros de São Paulo nunca mais foram os mesmos depois da passagem kitsch, colorida, cheia de mistérios e também personagens icônicos do trabalho de Alex Vallauri. O artista plástico que morreu há 30 anos foi o guia dos grafiteiros, aquele que iniciou os trabalhos nos muros. O pioneiro dessa arte urbana tão discutida nos dias atuais. Ainda sob o impacto da perda, um ano depois da morte de Vallauri, em 1988, artistas e amigos já articulavam a instituição do dia do Grafite em 27 de março, que viria em lei municipal em 2004.
Artista plástico por formação, Alex Vallauri nasceu na Etiópia e se muda com sua família para o Brasil na década de 1960. Cedo, já estava envolvido com arte e estudou na Faap, onde lecionou posteriormente.
Vallauri subervteu o conceito de suporte para as artes plásticas e espalhou pelos muros da cidade asua concepção artística que envolvia as pin ups ao telefone e em diversas cenas conhecidas como “A Rainha do Frango Assado”, assim como outros símbolos da sociedade de consumo e pop art, segundo sua visão de trabalho.
As ideias artísticas de Vallauri superaram as barreiras da tela em branco e estamparam, além dos muros paulistas e de Nova York, objetos como porcelanas, camisetas e broches, além das estampas que desenvolveu para tecidos e marcas bastante conhecidas à época como Fiorucci e Triton. O estêncil, um conjunto de moldes vazados com partes ou toda a ilustração a ser grafitada, seria a principal técnica para grafitar.
Após viajar para Europa entre 1975 e 1976, Vallauri cria uma série de desenhos fetichistas do universo feminino que dois anos depois serviriam de inspiração para o seu primeiro grafite: a bota preta. Solitária, sem par, de cano alto, com salto altíssimo e que naquele 1978 começou a surgir nos muros da cidade. A bota foi seguida por outros desenhos icônicos de seu trabalho, como a luva que indica uma direção, as cartolas, o Mandrake, o biquíni de bolinhas até a irresistível diva dos muros: A Rainha do Frango Assado.
Tudo o que viu e viveu no exterior o inspirou a repetir por aqui os feitos dos muros de fora, abrindo as portas da cidade para os que viriam a seguir e os que, ainda que atualmente com resistência, ainda virão.
Se hoje é comum e corriqueiro encontrar desenhos, pixações e protestos pelas paredes, 30 anos atrás essa arte urbana era um universo novo a ser desbravado: “Criativo ou engajado, anárquico ou poluidor, o graffiti já tomou conta dos muros da cidade. Em cores ou em branco e preto, enveredou pela militância política, veiculou mensagens de amor, exaltou ídolos” escreveu o Caderno 2 quando Alex Vallauri e outros artistas preencheram 30 metros do MAM com suas obras urbanas. (http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19820401-32839-nac-0025-999-25-not/busca/Alex+Vallauri)
Seu trabalho pioneiro foi reconhecido e celebrado ainda em vida. Além dos muros, seus personagens ganharam exposição na Pinacoteca e na Bienal.
A sua morte em decorrência da aids, que na época não tinha tratamento, causou um enorme pesar no meio cultural. Dias depois, o impacto da perda estava nas páginas do Caderno 2:
“Sua arte foi um ato constante de amor a São Paulo, e da própria cidade ele fez sua telas, percorrendo-a noturnamente com a fugaz clandestinidade de seu spray. Correndo riscos, sempre: modernidade ou contravenção? A arte de Alex Vallauri não podia ser confinada em museus e galerias. Ele era um pichador apaixonado. Os muros agora vão ficar tristes. E nossos olhos, sem supresas, vão perder-se no concreto, entediados.”
“Vallauri deu dignidade ao grafite, desempenhou com sua ação um combate sistemático à grafitagem desenfreada-oca-gratuita, embelezou a cidade à sua maneira e tornou a vida da peble menos rude, possibilitou-lhe uma escada para que vislumbrasse aquilo que as elites chamam de beleza. Ele morreu. Ele vive em cada um de seus desenhos cheios de graça.”
>> Veja também: história da pichação e do grafite em São Paulo
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