Carta aos Brasileiros de 1977 pediu Estado de Direito durante a ditadura militar

Liz Batista e Carlos Eduardo Entini - Acervo Estadão

26/07/2022 | 16h42   

Documento elaborado pelo jurista Goffredo da Silva Telles declarou ilegítimos governos formados pela força e a constituição vigente na época

A comemoração dos 150 anos dos primeiros cursos de Direito no Brasil poderia ter sido mais uma entre tantas. Mas, a pedido de um grupo de ex-alunos e professores da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, o então professor de Ciência do Direito e de Teoria Geral de Direito da faculdade, Goffredo da Silva Telles (1915 – 2009) redigiu uma carta que rompeu o silêncio imposto à sociedade pela ditadura militar vigente em 1977.

O texto pedia o retorno ao Estado de Direito e se tornou um dos documentos mais importantes da história contemporânea do Brasil.

 Na 'Carta aos Brasileiros' de 1977 , Silva Telles lembra e reforça o compromisso dos profissionais de Direito das faculdades do Largo São Francisco e do Recife: “queremos dizer, sobretudo aos moços, que nós aqui estamos e aqui permanecemos decididos, como sempre, a lutar pelos Direitos Humanos, contra a opressão de todas as ditaduras”. Em nome desse grupo, o manifesto declarava  ilegítimos os governos fundados na força e a atual constituinte outorgada por autoridades e não por uma Assembleia Constituinte.

O texto foi lido por  ele  nas Arcadas da Faculdade do Largo de São Francisco em 8 de agosto daquele ano. O documento recebeu inicialmente 100 assinaturas “de gente até com tendências doutrinárias diferentes da nossa, o que comprova que o documentos é apolítico e apartidário”, declarou o jurista ao Estadão.

O jurista ainda declarou, que a Carta aos Brasileiros teve uma repercussão “muito, mais muito maior do que esperava”.

A confirmação do efeito da carta veio três dias depois, em 11 de agosto, quando se comemora a data da criação dos cursos jurídicos no Brasil. Mais de quatro mil pessoas lotaram o largo São Francisco. Na comemoração, organizada pelo centro acadêmico XI de Agosto, o tema da volta do Estado de Direito foi central. O grêmio homenageou personalidades que se destacaram pela luta dos direitos humanos, entre eles o professor Goffredo da Silva Telles e contou com a presença de diversos juristas e políticos.

O que era para ser apenas uma cerimônia acabou em uma passeata pela democracia no Centro de São Paulo que reuniu mais de 7 mil pessoas. Desobedecendo a proibição de manifestações pelo governo militar- norma imposta pelo o AI-5 ,em vigor na época- os manifestantes desenrolaram faixas criticando o governo e pedindo democracia e assembleia constituinte.

Diferente das ações de repressão policial contra outras manifestações do período, a polícia, desta vez, não reagiu, “o esquema policial preparado para a manifestação de ontem foi totalmente diferente do usado nas passeatas e concentrações anteiores. Não havia nas imediações do Largo de São Francisco nenhum policial militar do Batalhão de Choque. Não houve bombas, cassetetes ou gás lacrimogêncio, mas um dos maiores contingentes de policiais à paisana desde a primeira manifestação estudantil”, escreveu a reportagem do Estadão na edição de 12 agosto.

Apesar do clima de tensão, nas ruas em que os manifestantes passaram foram recebidos ora com chuva de papel picado das janelas dos prédios, ora com aplausos.

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