Filme de Godard sobre Virgem Maria foi censurado por Sarney em 1986

Carlos Eduardo Entini - Acervo Estadão

13/09/2022 | 08h47   

Presidente proibiu exibição de 'Je vous salue, Marie' por pressão da Igreja Católica

Um dos grandes nomes do cinema mundial, o cineasta Jean-Luc Godard [1930-2022] teve um de seus filmes censurado no Brasil quando o País já não mais vivia o período da ditadura militar. Em fevereiro de 1986, a exibição do filme 'Je vous salue, Marie' foi proibida no Brasil pessoalmente pelo ex-presidente José Sarney, após pressão da igreja católica. O filme de Godard conta a história da Virgem Maria na Paris da década de 1980 que recebe de um estranho a notícia de que estava grávida mesmo sendo virgem.

A resistência ao filme começou bem antes do veto presidencial. Em novembro do ano anterior, 'Je vous salue, Marie' foi proibido de ser exibido no FestRio.

Na época, como ainda havia censura prévia, qualquer filme para entrar em exibição comercial nos cinemas do país deveriam ter o crivo da Divisão de Censura de Diversões Públicas da Polícia Federal.

 O resultado dos censores não foi consensual pela proibição do filme, "com 12 pareceres em seu poder e sem uma definição, a situação do filme […] é a seguinte: a minoria dos censores votou pela interdição; um grupo razoável percebeu que a tradução havia sofrido adulteração, contrariando o pensamento do autor e conferindo maior dificuldade para a exibição da obra; um terceiro grupo considerou simplesmente que deve ser liberada", relatou o Estadão na edição de de 28 de janeiro de 1986.

José Sarney não justificou pessoalmente a proibição. A explicação foi através do porta-voz da Presidência. Segundo Fernando César Mesquita, o presidente, apesar de não ter visto o filme, por ser um homem “profundamente religioso […] atendeu a um apelo da Igreja. Ele vai à missa todos os domingos, lê sempre o Evangelho, e não iria contrariar o espírito cristão do povo brasileiro”.

Mesmo com a proibição da exibição do filme, ele foi exibido em algumas universidades, como a USP e a PUC de São Paulo, onde a polícia apreendeu o filme.

Para o então arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, a censura do filme aumentou em “mil por cento” a curiosidade do público. Em debate com alunos da UnB, o arcebispo defendeu o respeito a religiosidade do povo “que tem Maria como sua mãe”, mas disse que os intelectuais também não deveriam ser prejudicados deixando de ver o filme.

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