'Gabriela', cinquentona e sempre 'assim'

Carlos Eduardo Entini

17/06/2012 | 19h00   

Desde o livro, a personagem virou a cabeça de muitos, não só do turco Nacib

"Gabriela", essa senhora de 54 anos, que está prestes a receber sua quarta versão nas telas – terceira na televisão e uma no cinema – não virou só a cabeça de seu Nacib. Desde o lançamento do livro, a personagem amoleceu intelectuais, parou países, apresentou um novo tipo de mulher, foi um sucesso de público e até hoje vive no imaginário popular.

O Estado de S. Paulo - 30/8/1958

Em agosto de 1958, quatro meses depois do lançamento do livro, “Gabriela” chamou atenção do crítico Luis Martins pela ruptura do autor com a “preocupação doutrinária” tão presente nos livros anteriores. Jorge Amado havia se desligado do Partido Comunista em 1956 e estava isolado politicamente pela esquerda. Talvez isso explique a carga menor na política no romance. Mas não significa que a abordagem política estava excluída do livro, afinal “Gabriela” tinha o subtítulo “Crônica de uma Cidade do Interior”. Diga-se de passagem, subtítulo que nunca pegou e há tempos sumiu das capas.

O Estado de S. Paulo 2/7/1960

Jorge Amado pode ter abandonado os esquemões políticos, mas não abandonou o conflito e a crítica à moral da época. Em 1960, o crítico gaúcho Paulo Hecker Filho percebeu a virada da escrita de Amado em “Gabriela”, “contra a conspiração de puritanos e interesseiros e das desumanas leis sociais em vigência escrita ou tácita, ele pleiteia o corpo nu, o orgasmo, o quitute regional, a canção popular”. A crítica de Hecker Filho foi feita na ocasião em que o livro volta a ser notícia depois de ganhar o prêmio de melhor romance da primeira edição do Prêmio Jabuti, em 1959.

Apenas mulher

Apesar de ser pano de fundo e cenário, o que menos despertou interesse no livro foi o conflito das oligarquias nordestinas. “Gabriela” desde o lançamento ganhou destaque pelo tipo de mulher que a personagem representa, alheia às convenções sociais. Na mesma crítica, Martins classifica a mulata como “apenas mulher ”, e continua “o mais perturbador, o mais misterioso dos tipos de mulheres criados por Jorge Amado”. A mais nova personagem da literatura brasileira é assim, continua o crítico, “uma simples cozinheira, porque ama sê-lo”.

Dos vários feitos de "Gabriela", um a ser destacado é ter transformado o advérbio 'assim' em adjetivo. Composta por Dorival Caymmi, o tema da novela, "Modinha para Gabriela", está na primeira pessoa e revela a essência da personagem: "Eu nasci assim eu cresci assim/Eu sou mesmo assim/Vou ser sempre assim Gabriela/Sempre Gabriela".

 

O Estado de S. Paulo 12/9/1958

 

Adaptações

A primeira adaptação do romance foi a série rodada na TV Tupi do Rio de Janeiro, em 1960. “Gabriela” foi interpretada por Janete Vollu. Contou com a participação de Paulo Autran no papel de Mundinho Falcão, e foi produzida por Maurício Shermann.

Em 1975 “Gabriela” ganha corpo e rosto. Toda a sensualidade da mulata foi encarnada por Sônia Braga. Em entrevista de 2006, ao 'Estado', a atriz confessa que deve tudo à personagem, "foi Gabriela que abriu as portas para mim".

O Estado de S. Paulo - 22/3/2006

 

A versão televisiva causou estranhamento por causa da descaracterização dos personagens. Para o crítico Paulo Maia, a novela fedia plástico estava mais para um filme de western de Sergio Leone, do que um romance de Jorge Amado. Segundo o autor, a descontextualização era tão grande que nada se encaixava no escritos originais, nem mesmo Sônia Braga, "branca e sem perfume de cravo e canela".

O Estado de S. Paulo - 10/5/1975

"Gabriela" foi parar nos cinema em 1982. O turco Nacib foi interpretado pelo ator italiano Marcello Mastroianni; Gabriela também por Sônia Braga. A gravação em Parati, foi atribulada. Por causa de falta de atenção da produção, os atores estrangeiros tiveram que sair do País porque estavam com visto de turista o que impedia o trabalho. Mastroianni teve que passar alguns dias nos cassinos do Paraguai até que a situação se resolvesse. Quando voltou das folgas forçadas, confessou que nem quando gravou na União Soviética isso aconteceu com ele.

O Estado de S. Paulo - 19/5/1982

 

 

"Gabriela, Cravo e Canela" está traduzido para mais de 20 línguas, e a primeira versão da TV Globo já foi exibida em diversos países. Em 1977, a novela paralisou Portugal. Nos 35 minutos de exibição até o ex-primeiro-ministro, o comunista Mário Soares, parava para assistir.

O Estado de S. Paulo - 14/10/1977

Eles existiram?

Em maio de 1975, o Jornal da Tarde foi até Ilhéus verificar se os personagens de Jorge Amado realmente existiram. Descobriu-se que o bar Vesúvio existiu e o dono do bar era um libanês chamado Emilio Maron, na época tinha 61 anos. Mais, esse libanês tinha uma cozinheira de mão cheia com o qual era casado e que trabalhava no seu bar servindo quitutes. Ela, acabara de morrer e se chamava Maria de Lourdes do Carmo Maron. Na época da novela, Ilhéus se encheu de turistas em busca das histórias de "Gabriela". Maron costuma tratar os curiosos com pedras. Para a reportagem do JT, o libanês declarou ter sido "vítima de uma injustiça", sua mulher não poderia ter sido modelo para a mulata porque "Maria de Lourdes tinha um comportamento honrado, enquanto Gabriela...".

Pesquisa de texto: Marina Paula Leite Novaes

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