Um "Velázquez" é retalhado pelo direito de voto

Liz Batista

11/03/2014 | 16h43   

Há um século, militante inglesa pelo voto feminino atacou com faca o quadro 'Vênus ao Espelho'

Destruiu a imagem da mulher mais bonita contra prisão da personagem mais moderna do mundo, declarou sufragista. The Illustrated London News, 1914

Em mais um atentado em defesa do voto feminino na Inglaterra, a sufragista Mary Richardson retalhou com uma faca o quadro Vênus ao espelho (1647-1651) do pintor barroco espanhol Diego Velázquez (1599-1660), pertencente à Galeria Nacional de Londres (National Gallery).

“O facto, divulgado pelos jornaes, causou viva impressão, nas rodas artisticas e literarias”, informou o Estado na edição de 11 de março de 1914. O caso se tornou emblemático e somou-se aos audaciosos atos de desobediência civil cometidos pelas sufragistas na Inglaterra.

 O Estado de S.Paulo - 11/03/1914 

Enquanto a maior parte da opinião pública revoltava-se contra o ato, e especulava sobre os danos infringidos a rara obra de Velázquez, um dos pouquíssimos nus realizados no período da Inquisição espanhola, a feminista Richardson explicava em depoimento que tentara “(...) destruir a imagem da mulher mais bonita na história mitológica como um protesto contra o governo que estava destruindo a Sra. Pankhurst (líder sufragista presa), que é o personagem mais bonita da história moderna (...)

As declaração dadas à polícia de Londres foram publicadas na reportagem do The Times. A matéria também trazia detalhes sobre o ato, um histórico da obra e a análise de um especialista sobre os prejuízos materiais do atentado. Calculava-se que o quadro, estimado em 45 mil libras esterlinas, perdera entre 10 a 15 mil libras esterlinas de seu valor. No entanto, a faca usada pela sufragista estava afiada e acabou por produzir cortes limpos e rentes, o que facilitava a restauração da obra. Um trabalho que custaria em torno de 100 libras esterlinas.

O quadro restaurado faz parte da coleção permanente da National Gallery de Londres. Reprodução/National Gallery

Atos Sufragistas. As ações sufragistas se intensificaram nos sete primeiros meses de 1914. Por volta de cento e cinquenta atentados sufragistas foram noticiados pela imprensa inglesa naquele ano. Na Escócia, castelos foram destruídos por incêndios creditados às militantes. A Biblioteca Carnegie, em Birmingham, a Abadia de Westminster, a Igreja de São Jorge, na praça Hannover e várias casas vazias pertencentes a parlamentares também sofreram atentados. Os próprios membros do governo eram alvos. Em fevereiro daquele ano Lord Weardale, o presidente da Liga Anti-Sufragista, foi “subitamente esbofeteado” por uma feminista na estação de Euston, em Londres.

O Estado de S. Paulo- 20/02/1914 e 16/7/1914

Alguns anos antes, em 1909, Winston Churchill, então Ministro do Comércio da Inglaterra, foi recebido de “chicote em punho” por uma militante que desferiu-lhe algumas chicotadas antes de ser desarmada. Em 1913, o famoso Derby de Epsom, foi palco da trágica morte da sufragista Emily Davison. A moça foi atropelada e morta pelo cavalo do rei da Inglaterra ao tentar colocar no animal um broche do movimento feminista, durante a corrida.

Emily sendo atingida pelo cavalo do rei durante o Derby de Epsom em 04/06/1913. Imagem: The Graphic, 1913

O Estado de S.Paulo- 05/6/1913

Durante todo aquele ano museus e galerias de arte, mantiveram-se alertas contra os ataques sufragistas. Em junho, Bertha Ryland foi presa por danificar uma obra de Romney Mestre Thornhill, exposta na Galeria de Arte de Birmingham. Dois meses antes, foram “quebrados diversos mostradores da secção asiática”, no Museu Britânico, no que parecia se tratar de “um novo attentado suffragista”, segundo a nota publicada pelo Estado em 11 de abril de 1914. O ataque deixou objetos preciosos “inutilizados”.

O Estado de S. Paulo- 11 de abril de 1914

Somente após o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918 as inglesas adquiriram o direito ao voto.

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